JA foi detido no aeroporto de Lisboa a 29 de Julho de 2025 quando esperava um avião de regresso a casa, em Espanha. Estava de passagem em Portugal e nem sequer constava da lista de suspeitos ou de pessoas de interesse para a Polícia Judiciária. Mas a Interpol emitiu um “red notice” com o seu nome e a ordem foi executada discretamente pelos agentes portugueses desta organização internacional.
Segundo a informação da Interpol, A nascido em Espanha há 30 anos, tinha sido denunciado por “outros membros do grupo criminoso a que pertencia” e que operava na Costa do Marfim. Segundo um desses elementos, conhecido como Dago, “era este arguido quem se encarregava da gestão da clientela e da prospecção de mercados como o do Mali e da Guiné Bissau, viajando com um passaporte diplomático falso, aparentemente proveniente da Guiné-Bissau”.
Esse passaporte foi encontrado durante as buscas policiais à casa do líder deste grupo, Miguel Mera, um ex-polícia espanhol radicado na cidade costeira de San Jose, na Costa do Marfim, que entretanto já foi condenado a dez anos de prisão por tráfico de droga neste país africano. A foi acusado no mesmo processo mas só seria detido dois anos depois, no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
A Costa do Marfim pediu a extradição imediata do suspeito e garantiu que não seria condenado a uma pena superior a vinte anos de prisão. De acordo com a lei, Portugal não pode extraditar cidadãos estrangeiros para outro país se houver risco de uma condenação superior ao permitido em Portugal – 25 anos de prisão. «Gostaria de lhe garantir que, em conformidade com a lei marfinense, caso o referido cidadão venha a ser extraditado para a Costa do Marfim, beneficiará de um julgamento justo e equitativo e será detido num estabelecimento prisional onde os seus direitos humanos serão plenamente respeitados”, garantiam as autoridades de Abidjan.
Em outubro de 2025, um coletivo da Relação de Lisboa autorizava a extradição de JA, depois de a própria ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, ter julgado “admissível o pedido formal de extradição”. Em resposta aos protestos da defesa, que alertavam para o perigo de uma pena de prisão perpétua e para perigo de tortura num país que, tal como tribunal admitiu, é ainda uma “democracia em consolidação”, o conselheiro João Bártolo sentenciava: “Ao Estado requerido cabe apenas verificar da existência dos requisitos legalmente exigidos e não pronunciar-se sobre eventuais fragilidades pontuais do sistema prisional dos países requerentes”.
Mas a posição do Supremo Tribunal de Justiça é outra. Num acordão de 5 de novembro, a conselheira Maria da Graça Silva ordena que o processo volte à Relação “para obtenção das garantias em falta e reapreciação do pedido de extradição em consonância com aquelas que forem fornecidas”.
No recurso para este tribunal superior, a defesa de JA alegou que os documentos enviados da Costa do Marfim para Portugal foram traduzidos com recurso a Inteligência Artificial originando um erro que terá “contaminado” a decisão da Relação e o aval da ministra da Justiça.
Segundo a lei da Costa do Marfim, se a droga traficada tiver um valor superior a 500 milhões de francos marfinenses (762 mil euros), pode ser aplicada a prisão perpétua. Neste caso, a polícia diz que a cocaína apreendida valeria 41 mil milhões de francos deste país (62,5 milhões de euros). Na tradução enviada para Portugal, este valor desceu para uns irreais 41 milhões de francos, correspondente a pouco mais de 60 mil euros por duas toneladas de cocaína. “Na verdade assim é”, admite a conselheira Maria da Graça Silva que quer que a Costa do Marfim esclareça se a lei desse país prevê ou não prisão perpétua para estes casos e que dê uma “garantia formal” que A não será condenado a mais de 25 anos de prisão.
Além disso, o Supremo lembra que o último relatório do Comité Contra a a Tortura da ONU registava “preocupações” em relação à Costa do Marfim por “alegações de esta prática ser ainda um padrão”. Por isso, “impõe-se solicitação ao Estado requerente de garantia formal e concreta de que” o arguido “será sujeito a um julgamento por tribunais independentes” e que será “detido em prisão concretamente identificada; onde não corra risco de ser sujeito a tratamentos desumanos, degradantes ou cruéis”.
Com base neste acórdão, o advogado Eduardo Maurício vai pedir a “libertação imediata” do cliente. “A decisão do Supremo foi assertiva em anular o acórdão da Relação, já que a Costa do Marfim não dá garantias de direitos humanos, julgamento justo, devido processo legal, ampla defesa e contraditório (com um sistema prisional desumano e degradante)”. Para a defesa de A, “extraditar o cidadão espanhol seria assinar sua própria sentença de morte”.







