Os casos do cantor Gusttavo Lima e da influenciadora Deolane Bezerra escancaram uma realidade vergonhosa: jamais se lavou tanto dinheiro como agora no Brasil. Famosos e celebridades unem-se a fraudadores em operações intrincadas, algumas até mirabolantes, para limpar bilhões vindos do tráfico de drogas, corrupção, crime organizado e jogos de azar, entre eles as usinas de recursos ilegais da moda: as BETs. Conheça as etapas técnicas dessas ações e as ferramentas do poder público para combatê-las.
Vilardi, advogado criminalista e professor da FGV.
“O esquema ‘e potencialmente criminoso e pode culminar no indiciamento, denúncia, decretação de prisão preventiva – com a Interpol -, condenação por lavagem de dinheiro, organização criminosa e evasão de divisas”, empilha os delitos o advogado criminalista Eduardo Maurício.
Para um mercado ilegal de estimados R$ 10 bilhões anuais, ocupado por cerca de 60% de caça-níqueis, 35% de jogo do bicho e o restante entre bingos e cassinos, é uma grande operação lucrativa. O outro drible é na legislação digital, com crash games de jogos como Aviator e Tigri-nho, que respondem por metade da rede de cassinos online e estimados R$ 35 bilhões de rendimentos anuais, os operadores exportam para cá a tecnologia e importam os lucros. Os donos da marca oferecem a utilização na modalidade whi-te label, para que os interessados registrem um domínio próprio, utilizem o código do jogo e ofereçam ao público em troca de divisão de receitas com os criadores. Como para operarem recebendo depósitos em pix os interessados têm que constituir uma conta em fintech ou agente financeiro que os aceite, a responsabilidade fiscal recai sobre estes e a marca pode lavar as mãos alegando nenhum envolvimento com a prática, mesmo que os tais crash games tenham sido legalizados em 2023 no Brasil e estejam em processo de implementação junto às casas de apostas.
LIGAÇÕES PERIGOSAS
Esse sistema de afiliados é semelhante ao que estampou por toda a mídia os rostos de Deolane
Bezerra, há algumas semanas, e o de Gusttavo Lima na que passou. Celebridades e caras conhecidas que transmitam imagem de integridade e boa-fé são procuradas pelas bets atualmente com oferta de divisão de lucros sobre a quantidade de apostadores que conseguirem atrair. “Chuto que uns 80% das bets possuem um bicheiro por trás.
As que não têm são as estabelecidas fora antes de entrarem aqui, como a Bet365, Betano e 1XBet”, afirma o especialista em transações financeiras digitais. Mesma tática vem utilizando outros contraventores na abertura do governo a empresas de apostas digitais interessadas em operar legalmente no País a partir de 2025. Uma das 113 que toparam pagar R$ 30 milhões de outorga para obter licença é a ZEROUMBET, de Deolane, que no dia 20 de agosto bancou a quantia com a intenção de operar legitimamente. Se lida com atenção a lista, vários outros nomes fáceis nas rodas de caça-níqueis e bancas do bicho serão encontrados, simplesmente por um verniz de legalidade às atividades duvidosas dos inves-tidores. Na quinta, 26, o Banco Central anunciou que as bets que não pediram a regulamentação serão suspensas em 1° de outubro e não em 2025 como divulgado anteriormente.
Outra modalidade bem mais vistosa de reintegração de dinheiro sujo no mercado formal é pela aquisição e venda de bens de luxo. Dessa maneira foi midiaticamente apresentada a conexão entre Deolane e Darwin Filho. A influencia-dora, famosa pelo relacionamento com o funkei-Io MC Kevin, morto após cair da janela do quinto andar de um hotel no Rio de Janeiro, comprou do empresário um automóvel Lamborghini Urus por R$ 3,85 milhões, pagou à vista e levantou suspeita de “lavagem de dinheiro proveniente do jogo do bicho e de apostas esportivas” — a Justiça determinou o bloqueio de R$ 34 milhões de suas contas bancárias. Deolane declarou que possui rendimento de R$ 1,5 milhão por mês.
Já no caso de Gusttavo Lima, a juíza de Direito Andrea Calado da Cruz, que decretou sua pri-são, afirma que ele deu “guarida a foragidos” durante viagem de Goiânia para a Grécia realizada no avião particular do cantor, com um casal de investigados na operação: os sócios da Vai de Bet José André da Rocha Neto e sua mulher Aislla Rocha. Herdeiro do ramo imobiliário, José André possui mais de 30 empresas em seu nome “É imperioso destacar que Nivaldo Batista Lima [nome real de Gusttavo Lima], ao dar guarida a foragidos, demonstra uma alarmante falta de consideração pela Justiça. Sua intensa relação financeira com esses indivíduos, que inclui movimentações suspeitas, levanta sérias questões sobre sua própria participação em atividades criminosas. A conexão de sua empresa com a rede de lavagem de dinheiro sugere um comprometimento que não pode ser ignorado” , completa a
juíza. A polícia ainda apreendeu avião que pertence ou pertencia à Balada Eventos e Produções, empresa do cantor. O advogado dele afirmou que a aeronave havia sido vendida para outra empresa do dono da Vai de Bet, mas a ANAC diz que Gusttavo Lima ainda é o proprietário. A casa de apostas chegou a patrocinar o Corinthians em contrato, já rompido, de R$ 360 milhões por três temporadas e banca o Buteco, maior festival de música sertaneja do País. Pela Balada e pela GSA
Empreendimentos Ltda, o artista chegou a receber em um ano cerca de R$ 49,4 milhões da Esportes da Sorte, de Darwin Filho, e da Vai de Bet.
E o envolvimento não para, já que o cantor adquiriu 25% da última em 1° de junho recente.
No domingo (22), poucas horas antes de ter a prisão decretada (já revogada), Gusttavo Lima estava no Rock in Rio posando para fotos ao lado do criador do festival, Roberto Medina. Antes da publicação da decisão, viajou para Miami, nos EUA, com a esposa, onde possui uma casa avaliada em R$ 65 milhões. De lá, telefonou para o polêmico candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal, que tranquilizou os fãs dizendo que o amigo “está bem”. “Independentemente de sua condição financeira, ninguém pode se furtar à Justiça. (…) A riqueza não deve servir como um escudo para a impunidade, nem como um meio de escapar das responsabilidades le-gais. A aplicação da lei deve ser equânime, assegurando que todos respondam por suas ações.
A tentativa de se eximir das consequências legais por meio de conexões financeiras é uma afronta aos princípios fundamentais do Estado de Direito e à noção de justiça”, conclui a juíza.
Fica a dica para os apostadores.
in Isto É.


