Juristas veem ameaça à liberdade de imprensa em ação que pede a cassação da Jovem Pan

Juristas ouvidos pela Gazeta do Povo criticam a decisão da Advocacia-Geral da União (AGU), órgão de representação judicial do Executivo, de se juntar ao Ministério Público Federal (MPF) no polo ativo da ação que pede a cassação das concessões de rádio da Jovem Pan por abuso da liberdade de radiodifusão.

A AGU não aderiu ao pedido de cassação das concessões, mas endossou os outros pedidos da ação, que incluem a imposição de indenização de R$ 13 milhões por danos morais coletivos e a obrigação de veicular propagandas sobre a confiabilidade dos sistemas de votação no Brasil.

A ação decorre de inquérito civil instaurado contra a Jovem Pan depois dos atos de depredação em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, por suspeita de veiculação de “conteúdos desinformativos e incitadores de violência” ao longo do ano de 2022.

O advogado Eduardo Maurício, mestre pela Universidade de Coimbra, aponta “postura contraditória” da AGU, que, na segunda-feira (4), tinha se posicionado contra os pedidos do Ministério Público.

Na ocasião, a AGU tinha apresentado defesa da liberdade de imprensa e destacado que “seria extremamente perigoso ao próprio regime democrático atribuir a qualquer órgão estatal o papel de avaliar a ‘qualidade dos conteúdos’ veiculados pelas emissoras de rádio ou TV”.

Menos de 4 horas depois, o ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, veio a público na rede social X desmentir a petição, que foi seguida de outra, invertendo o posicionamento do órgão para pedir o juízo de procedência da ação.

Embora a AGU tenha sido mais moderada que o MPF ao não endossar o pedido de cassação das concessões de rádio, Maurício considera os outros pedidos igualmente lesivos à liberdade de imprensa: “todos esses pleitos causam evidente constrangimento ilegal à emissora”.

André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão que tem veículos de imprensa entre seus clientes, concorda. “Não apenas pedir cancelamento de outorga é ato censório”, opina, enfatizando que a censura pode vir sob diversas formas. “Uma delas é indenização que inviabiliza a operação do veículo, outra é obrigar a emissora a divulgar propaganda do governo, calando a voz do seu editorial.”

A este respeito, o MPF argumenta que a Jovem Pan estaria sujeita a “regime especialmente limitado de liberdade de discurso”, porque o direito a ocupar frequência no espectro de radiodifusão é sujeito a concessão pelo Poder Público (caso da Jovem Pan, que opera em parte por esta modalidade, mantendo, conforme o MPF, três outorgas públicas de rádio, localizadas em São Paulo e Brasília).

O órgão ministerial alega que o “caráter limitado” do rádio, disponível a um número finito de empresas, justificaria um maior poder de controle do Estado sobre “a qualidade dos conteúdos”, para “garantir que a exploração desse bem escasso sirva ao máximo à coletividade”.

O advogado e professor Rodrigo Saraiva Marinho, CEO do Instituto Livre Mercado, discorda da tese, que qualifica como “cerceamento à liberdade de expressão” prevista na Constituição, concebida por ele como “ouvir aquilo que você não gosta”. Ele qualifica a ação como “absurda” e argumenta que o consumidor “não é obrigado a ouvir a Jovem Pan, você sempre pode mudar de canal”.

A este respeito, Marinho afirma que o advento das redes sociais teria tido efeito transformador no mercado, ao aumentar a possibilidade de fontes alternativas para o consumidor. Como reconhecido pelo próprio MPF, as plataformas digitais “têm infraestruturas amplamente disponíveis a quem desejar explorá-las”, sem as mesmas limitações do rádio e da televisão.

Marinho considera que a linha editorial da Jovem Pan, minoritária na imprensa, é uma resposta de mercado às demandas do consumidor, que passaram a se manifestar mais claramente com o advento da concorrência das redes sociais. Ele afirma que a Jovem Pan estaria sofrendo “pressão política” por sua linha editorial. Foi também a visão do jornal espanhol La Gaceta, que considerou o ocorrido como evidência de uma “politização de instituições públicas” no Brasil. O jornal comparou a ação judicial no Brasil com o fechamento, na Venezuela, da emissora Radio Caracas Televisión (RCTV) em 2007.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/juristas-ameaca-liberdade-imprensa-acao-cassacao-jovem-pan/?#success=true

Eduardo MaurIcio é advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim). Site: www.eduardomauricioadvocacia.com

× Precisa de Ajuda?