A vingança do PCC e da Máfia contra os ladrões de cocaína descoberta pela PF: ‘Vão morrer todos’

Eduardo Mauricio Advocacia - Noticia Jornal Estadao - A vingança do PCC e da Máfia

Operação Mafiusi reconstruiu por meio de mensagens decifradas do crime organizado a vingança sangrenta contra os suspeitos de roubar dois carregamentos da droga que devia ser enviada à Europa.

Edmilson de Meneses, o Grilo, estava empolgado. Haviam acabado de matar em uma emboscada o guarda civil Jeferson Barcellos de Oliveira. “Vai tudo para o inferno. Todos os que estiverem envolvidos vão morrer todos”, escreveu aos amigos em um chat de um sistema de mensagens criptografadas usado pelo crime organizado. Oliveira era mais uma vítima de uma vingança sangrenta patrocinada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) por seus aliados, traficantes italianos da ‘Ndrangheta e colombianos.

Foto do guarda civil Jeferson Barcellos Oliveira após ser baleados por pistoleiros do PC compartilhada no chat entre os chefões do tráfico; conversa serviu de prova sobre a vingança mafiosa
Foto do guarda civil Jeferson Barcellos Oliveira após ser baleados por pistoleiros do PC compartilhada no chat entre os chefões do tráfico; conversa serviu de prova sobre a vingança mafiosa Foto: Reprodução / Estadão

A raiva de Grilo tinha um motivo: os roubos de dois carregamentos de cocaína, que fizeram ele e seus sócios perderem 770 quilos de cocaína. Só Grilo tivera um prejuízo de US$ 4,5 milhões. No sistema de mensagens usado pelos bandidos, ele era o Sr Madruga Pirikito, codinome que escondia um homem violento, ligado à cúpula da facção. Ele fora casado com a irmã de Roberto Soriano, o Tiriça, que era o 2.º na hierarquia do grupo.

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Dois meses antes de Grilo mandar a mensagem, seus negócios iam de vento em popa. A Sintonia do Tomate, a cúpula da PCC ligada ao tráfico internacional de drogas, havia criado em Paranaguá (PR), o maio porto graneleiro da América Latina, um esquema para “contaminar” com toneladas de cocaína contêineres destinados à Valência, na Espanha, onde as cargas passariam pelo canal verde, sem fiscalização. Para tanto, pagavam 25% de propina ao funcionário da empresa responsável pela descarga dos contêineres.

O esquema era gerenciado por um homem que permaneceu durante anos sem ser incomodado pela polícia, escondido por trás dos codinomes Boxeador e Senna. Até que seu disfarce foi revelado pelo mais novo delator do PCC, o empresário Marco José de Oliveira, que havia sido preso na Operação Narcobroker e decidira contar o que sabia aos federais. Tratava-se do empresário Willian Barile Agati, definido por Oliveira como o Concierge do PCC.

O cônsul honorário de Moçambique Deusdete Januário Gonçalves cumprimenta Willian Agati: operação de US$ 1,5 milhão para tentar libertar Fuminho, preso em Maputo
O cônsul honorário de Moçambique Deusdete Januário Gonçalves cumprimenta Willian Agati: operação de US$ 1,5 milhão para tentar libertar Fuminho, preso em Maputo Foto: Reprodução / Estadão

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Ao lado de Grilo, eles haviam contratado o guarda civil Oliveira, que conhecia os caminhos do terminal de Paranaguá. E faziam planos para inundar a Europa com a cocaína do Narcosul, o cartel de drogas que envolvia Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, o primeiro traficante do PCC a pôr cocaína na Flórida (EUA), que montara uma organização com bases na Bolívia, Brasil, Angola, Moçambique e África do Sul. Fuminho era o braço-direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, no tráfico.

Era madrugada de 20 de fevereiro de 2020 caiu o primeiro raio no céu de brigadeiro em que desfilavam os navios e as aeronaves do consórcio do tráfico transatlântico de cocaína: 270 quilos de de cocaína que deviam ser infiltrados no contêiner TEMU7578697 desapareceram. A droga devia chegar em cinco dias ao porto de Valência. A certeza de que os mafiosos haviam sido passados para trás em Paranaguá chegou quando eles receberam a notícia de que o contêiner havia sido revistado pela Receita Federal sem que a mercadoria tivesse sido encontrada.

Ou seja. Pior do que o roubo, havia um alcaguete que denunciaria o contêiner com louças sanitárias que devia passar pelo canal verde – sem fiscalização – para os fiscais. Aquela informação deixou ainda mais furiosos os bandidos, pois significava que os próximos contêineres com aquele tipo de produto para exportação seria encaminhado ao canal vermelho. O esquema estava queimado.

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O novelo de lã desse caso começou a ser puxado na Operação Retis, de 2022. Dois dos acusados dessa operação foram então identificados. Tratava-se do chileno Cristian Gerardo Fuenzalida Guzmán e o brasileiro Marlon da Conceição Santos. Ambos haviam sido detectados pela PF como frequentadores do apartamento dos mafiosos italianos Nicola e Patrick Assisi, em Praia Grande (SP). Líderes da ‘Ndrangheta, os Assisi cumprem pena por tráfico no sistema prisional federal brasileiro desde 2019.

O chileno Fuenzalida era uma espécie de faz-tudo de Agati. A ele, os italianos, os brasileiro e o colombiano Leonardo Ordonez Toro (codinome Panda, no Sky ECC) entregaram a tarefa de descobrir o que estava acontecendo no porto de Paranaguá. E foi assim que ele começou seu trabalho, interrogando o guarda civil Oliveira. Até que no dia 21 de março outro carregamento de droga foi roubado. desta vez, eram 500 quilos que deviam ser embarcados em um contêiner do navio MSC Naomi, em Itapoá (SC).

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Os bandidos que tomaram o entorpecente do PCC, da máfia e dos colombianos vestiam roupas da Polícia Federal e simularam uma falsa blitz para surrupiar a droga. Imediatamente uma tropa comandada por Fuenzalida foi à casa do guarda civil. Começava ali um tribunal do crime, que só não terminou em morte porque o barulho feito pelos criminosos chamou a atenção dos vizinhos.O chileno Fuenzalida e o brasileiro Marlon presos pela polícia quando montavam um tribunal do crime para julgar o roubo de dois carregamentos de cocaína; PF investigou quatro mortes Foto: Reprodução / Estadão

A PM do Paraná chegou ao lugar e deteve doze pessoas, entre elas Fuenzalida e Marlon Santos. Apreendeu ali armas de fogo, dezenas de lacres de contêineres e vários aparelhos celulares, que, com autorização judicial de compartilhamento de provas, foram usados na Operação Retis após serem analisados pelo Grupo Especial de Investigações Sensíveis (GISE) do Paraná, da Polícia Federal. Dias depois, o guarda civil e outros detidos foram postos em liberdade pela Justiça. 

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Tudo ficou registrado na troca de mensagens entre os líderes do esquema de tráfico, que haviam criado um chat no Sky ECC para acompanhar a vingança da máfia. Com o número 5RGFM3:6, o grupo criado por Agati (Boxeador no Sky ECC) tinha como integrantes ainda Grilo (Sr. Madruga Pirikito e PIN NESV24, no Sky ECC) e seus parceiros Toro, encarregado da retirada da droga em Valência, e “Barby”, PIN 3P698G, do Sky ECC. 

Foi nele que no dia 15 de abril os usuários tomaram conhecimento do primeiro resultado da vingança do grupo: o assassinato de Marcos Antônio de Carvalho, o Marcos P2, que participava do grupo do guarda civil Oliveira. Ele foi executado em um posto de gasolina da rodovia BR-277, em São José dos Pinhais (PR), com 13 tiros de pistola calibre 9 mm e fuzil calibre 5,56 mm. “Isso, meus irmãos! Gosto de ver um f.. pilantra morto”, escreveu Toro no chat após receber a notícia.

P2 estaria envolvido ainda no roubo do segundo carregamento da droga. Barby então escreveu: “Hermanos, sigan con su venganza!” Ao que Agati responde, afirmando que vão “limpar o porto” antes de voltar a enviar carregamentos de droga. E Grilo completa: “Vou descontar meu ódio nesses pilantras! Eles vão cair” E assim seria, mas antes, o grupo teve de lidar com outra emergência: a prisão de Fuminho, em Maputo. Policiais americanos detiveram o traficante em Moçambique e o Brasil pediu sua extradição.

continua após a publicidadeTranscrição de mensagem de Edmílson de Meneses, o Grilo, jurando vingança contra os ladrões de cocaína: Operação Mafiusi teve acesso aos arquivos italianos Foto: Reprodução / Estadão 

Agati e o PCC, conforme descrito pelo delegado Eduardo Verza, na Operação Mafiusi, disponibilizaram US$ 1,5 milhão para subornar autoridades moçambicanas e conseguir resgatar o braço-direto de Marcola. O grupo se valia de uma esquema que lhe vendia carteiras do consulado de Moçambique em Belo Horizonte por R$ 2 mil. O plano que pretendia envolver até o primeiro-ministro do País africano e a entrega de um celular na cadeia para Fuminho falhou e ele foi extraditado para o Brasil em 17 de abril.

Ao mesmo tempo, Agati e seus comparsas haviam chegado à conclusão de que o guarda civil Oliveira era o traidor. “A vítima da vez foi Jeferson Barcellos de Oliveira, então chefe do grupo responsável por promover a logística de armazenamento, transporte e contaminação dos contêineres com a droga no Porto de Paranaguá”, escreveu o delegado Verza. No dia 6 de maio, a vingança mafiosa alcançou o guarda civil de 44 anos.

Ele estava dentro de um Onix estacionado, em frente a uma oficina mecânica na Rua Arthur Bernardes, no bairro Serraria do Rocha, em Paranaguá, quando atrás dele estacionou um HB-20. Dele desceram dois homens armados com pistolas, que abriram a porta do Onix e atiraram dezenas de vezes na vítima. Os mafiosos compartilharam no chat imagens do guarda morto, despertando nova comemoração.Imagens do tribunal do crime montado pelo PCC na casa do guarda civil Jefferson pouco antes de ser interrompido pela chegada da PM do Paraná; PF obteve vídeo e mensagens Foto: Reprodução / Estadão / Polícia Federal

“Um a menos”, escreveu Agati. Grilo completou no chat com os estrangeiros: “Sim, lógico, vai tudo pro inferno. Todos os que estiverem envolvidos vão morrer”. E concluiu: “Amigos, somos corretos no que fazemos. Não admitimos pilantragem. („,) Não vão viver para gastar o dinheiro que roubaram de nós”.

Agati, então, começa a fazer um balanço do do caso para o colombiano Toro usando o codinome Boxeador. “Irmão, perdemos 4 milhões de dólar, nosso chefe foi preso, matamos 3 já, ele tem que ter paciência, o problema está todo com nos”. O diálogo que se seguiu ficou registrado na Operação Mafiusi:

Boxeador – Nós fomos roubados e matamos quem nos roubou . Perdemos 770 peças . 1 funcionário nosso preso. Nosso amigo preso (Fuminho) . Vocês perderam 30 peças nesse trabalho. Nos vamos pagar porque somos homens, porque nós provamos que fomos roubados e matamos eles.

Panda – Eu entendo as 2 partes y sé que vc tuvo una pérdida grande.

Boxeador – Não sumimos com peça nenhuma. Agora , tem que esperar o próximo trabalho para se resolver isso.

Sr. Madruga Pirikito – Vc escuta primeiro nós tivemos um prejuízo de quatro milhão e meio de dólar.

Boxeador – Eu não aguento ninguém ficar me chamando a cada 5 minutos pra forçar trabalhar rápido ou dar uma data .Nós vamos trabalhar quando estiver 1000%”

A morte da terceira vítima da vingança mafiosa não deixou registros nas conversas do Sky ECC. Um quarto assassinato ainda iria ocorrer. O delegado da PF esclareceu que, apesar de não haver registros também sobre essa quarta execução, no histórico de mensagens do aplicativo Sky ECC, “observou-se que, no dia 04/07/2020, Cristian Roberto da Silva Bernardo, vulgo ‘Batata’, foi executado com tiros na cabeça”.

A conclusão do policial foi que “é muito provável que ‘Batata’ seja a quarta vítima, pois ele era integrante da ORCRIM chefiada por Jeferson Barcellos de Oliveira e tinha a função de auxiliar no recebimento, depósito e transporte dos carregamentos de cocaína para exportação”. Além disso, ele atuava como o “braço armado” da organização criminosa.

“Com o aprofundamento da presente investigação, em especial por meio da análise dos dados do Sky ECC, recebidos através da Equipe de Conjunta de Investigação (ECI) firmada com a Itália, foi possível colher diversos elementos probatórios da autoria e circunstâncias delitivas dos referidos homicídios”, escreveu o delegado. Tudo acabou repassado à Justiça do Paraná, que deve julgar os autores dos assassinatos.

Fonte: https://www.estadao.com.br/amp/politica/blog-do-fausto-macedo/a-vinganca-do-pcc-e-da-mafia-contra-os-ladroes-de-cocaina-descoberta-pela-pf-vao-morrer-todos/

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