‘Concierge’ do PCC ajudou facção a se expandir para a África e é suspeito de ter feito operação de lavagem com o Cruzeiro

Eduardo Mauricio Advocacia - Noticia - Jornal O Globo - ‘Concierge’ do PCC ajudou facção a se expandir para a África

Alvo de operação da Polícia Federal e do MPF movimentou R$ 2 bilhões e enviava droga para a Europa em navios e aviões; investigado e clube mineiro negam acusações

Preso preventivamente desde janeiro, Willian Barile Agati é suspeito de ter comandado uma rede de tráfico internacional e lavagem de dinheiro que movimentou cerca de R$ 2 bilhões entre janeiro de 2018 e outubro de 2022. Agati é acusado de ter atuado como um facilitador das operações do Primeiro Comando da Capital (PCC) e de ter conexões com a máfia italiana ‘Ndrangheta. Chegou a ser apelidado por um ex-aliado de “concierge do crime organizado”. 

Relatórios de uma extensa investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal aos quais o GLOBO teve acesso revelam que Agati auxiliava o PCC tanto na aquisição de bens e na lavagem de dinheiro quanto no fornecimento de aviões, imóveis ou artigos de luxo. A facção, segundo as investigações, aproximou-se de Agati devido à sua capacidade de se infiltrar na “alta sociedade” sem deixar suspeitas sobre a origem dos recursos que ele movimentava. Agati morava em um condomínio de luxo em Alphaville, área nobre da região metropolitana de São Paulo. 

O empresário é acusado de operar rotas de tráfico internacional a partir do Porto de Paranaguá (PR), o maior porto exportador de produtos agrícolas do Brasil, incluindo carregamentos de drogas em contêineres com louça sanitária, cerâmica ou madeira para serem distribuídos na Europa a partir de Valência, na Espanha. Agati tinha como sócio nessa operação Edmilson de Meneses, o Grilo, que era cunhado de Roberto Soriano, o Tiriça, nome que até o início do ano passado era considerado o segundo na hierarquia do PCC. Grilo morreu em outubro do ano passado, atropelado por um ônibus durante romaria ao Santuário Nacional de Aparecida, na Via Dutra. 

Em 2020, dois carregamentos de drogas que pertenciam a Agati e Grilo foram roubados, mas a dupla buscou vingança. Pessoas ligadas a eles foram à casa de um guarda municipal acusado de ter se apropriado da droga para realizar um “tribunal do crime”, mas acabaram impedidas pela polícia. Nos meses seguintes, quatro suspeitos de terem participado do roubo foram mortos, inclusive o guarda municipal. 

“Mataram o guarda. Mandaram pro inferno”, comemorou Agati em um aplicativo de mensagens criptografadas onde atendia pelas alcunhas “Boxeador” ou “Senna”. 

Além do envio de drogas em navios, o investigado também usava jatos executivos para traficar entorpecentes em voos para a Europa em que levava também jogadores de futebol, outro ramo de negócio em que operava. 

O MPF identificou uma suposta operação de lavagem de dinheiro envolvendo o Cruzeiro por ocasião da contratação do atacante Diogo Vitor, em 2021. Segundo a procuradoria, uma das empresas de Agati realizou nove transferências para o clube mineiro que totalizaram R$ 3 milhões. Três dias depois, o Cruzeiro transferiu de volta para a conta do próprio Agati e de outra empresa dele a soma de R$ 1,58 milhão. 

O episódio foi noticiado na semana passada pela “Piauí”. Em nota enviada à revista, o Cruzeiro disse que o empréstimo de Diogo Vitor “foi registrado em todos os documentos contábeis e financeiros” do clube, e que “todas as transações desta operação foram feitas de forma eletrônica, logo facilmente identificadas por instituições bancárias ou até mesmo pela Polícia Federal, assim como adequadamente registradas” nos balanços do clube. 

As investigações da Operação Mafiusi indicaram que Agati teve participação importante na expansão das operações do PCC na África. Ele tinha relações estreitas com Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, nome ligado a Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, número 1 da facção. 

Fuminho operava na importação de droga de países como Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru para o PCC distribuir pelo território brasileiro. De acordo com a PF, o traficante se estabeleceu em Moçambique, na África, após ter sido acusado de mandar matar dois integrantes do PCC — supostamente com a anuência de Marcola — em uma emboscada no Ceará. 

Agati, então, teria comprado uma série de imóveis e constituído uma construtora naquele país, seguindo orientações de Fuminho, para ajudar a tornar o local uma base de operação que serviria como porta de entrada para drogas na Europa. 

Fuminho havia fugido da penitenciária do Carandiru (SP) em 1999 e passou 21 anos foragido até ser detido em 13 de abril de 2020, num hotel de luxo em Maputo, capital de Moçambique, em uma megaoperação que contou com autoridades brasileiras, moçambicanas e americanas. 

Mensagens acessadas pelos investigadores mostram que Agati participou da articulação de um plano para resgatar Fuminho da prisão. O grupo teria atuado em duas frentes: a chamada “linha lícita”, que consistia na contratação de advogados para, caso não fosse possível conseguir a soltura do traficante, que pelo menos ele não fosse extraditado para o Brasil, o que eles já consideravam uma “vitória”; e a “linha ilícita”, que planejava corromper policiais e pessoas do alto escalão do governo de Moçambique. 

O plano da “linha ilícita” seria o de tirar Fuminho do país e “escondê-lo em um país seguro”. Pensaram primeiro em levá-lo para algum lugar nas fronteiras de Moçambique com a África do Sul e Essuatíni, mas depois surgiu como alternativa a região dos Bálcãs, por ser também uma porta de entrada de cocaína na Europa e pela relação de traficantes brasileiros com o clã Šarić. Havia receio, porém, porque os aliados de Fuminho entendiam ter somente de 10 a 15 minutos para escondê-lo até que as autoridades percebessem seu sumiço da prisão. 

As mensagens indicam que o grupo topou pagar US$ 2,5 milhões a um policial que supostamente entregaria um celular e comida para Fuminho na cadeia, e mais US$ 500 mil para o “time de resgate”. 

Na investigação há indicações de que o cônsul honorário de Moçambique em Minas Gerais, Deusdete Januário Gonçalves, teria conseguido um advogado que ajudaria na comunicação com Fuminho na prisão. Esse advogado conseguiu entregar um celular para o preso de uma cela vizinha à do traficante, e transmitiu dez instruções do brasileiro para seus aliados em liberdade. 

Em troca, segundo as mensagens, o cônsul honorário teria cobrado US$ 1,5 milhão do grupo de Agati. O homem já conhecia Deusdete, inclusive tendo sido registrado como diretor comercial do Consulado. De acordo com um delator que colaborou com as investigações, o cônsul cobrava R$ 2 milhões para dar a criminosos uma carteira que concedia a eles imunidade consular. O GLOBO não conseguiu contato com Deusdete ou sua defesa. 

Apesar dos esforços dos aliados de Fuminho, o traficante foi extraditado para o Brasil seis dias após sua prisão. Atualmente, está detido na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná. 

O histórico de corrupção de Agati a agentes da polícia não se restringiu ao episódio africano. Segundo a PF, o traficante e um sócio chamado João Carlos Camisa Nova Junior (o “Don Corleone”) pagaram R$ 800 mil a um policial civil de São Paulo para impedir o avanço de uma investigação por tráfico internacional. Esse policial era Valmir Pinheiro, o Xixo, do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), que está preso desde setembro por conta das investigações decorrentes dos depoimentos do delator Vinicius Gritzbach. 

Em nota, o advogado Eduardo Maurício, que representa Willian Agati, afirma que seu cliente não teve “qualquer relação ilícita” com o Cruzeiro ou o Consulado de Moçambique, nem conexão com o PCC ou a máfia italiana. Disse que Willian é “um empresário idôneo e legítimo, primário e de bons antecedentes, pai de família, que atua em diversos ramos de negócios lícitos, nacionais e internacionais, sempre com ética e seguindo as leis vigentes e os bons costumes”. 

O criminalista disse que irá pedir a liberdade de Agati no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e considerou a prisão preventiva uma medida “ilegal e abusiva”. “Willian é inocente e isso ficará provado ao final do processo. (…) Willian não é autor de nenhum crime, e a investigação afirma ser ele autor de delitos com base em ilações sem qualquer fundamento, baseadas em conversas telefônicas (…), prova manipulada e nula de pleno direito”, completou.

Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/02/19/concierge-do-pcc-ajudou-faccao-a-se-expandir-para-a-africa-e-e-suspeito-de-ter-feito-operacao-de-lavagem-com-o-cruzeiro.ghtml

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